OS ANDARILHOS DE ANA MARIA PACHECO
As esculturas de uma das mais conceituadas artistas brasileiras fazem o espectador entrar em contato com suas angústias e solidão.
Ana Maria Pacheco oferece um trabalho crucial para estabelecermos um entendimento dos desafios do mundo contemporâneo, sobretudo daqueles gerados por questões de deslocamento e de abandono. A escultura Sombras do Andarilho (Shadows of the Wanderer) de 2008, em madeira policromada, possibilita a reflexão da angústia, da solidão e do sofrimento humanos quando distanciado de sua origem, de sua história, de sua memória e de sua cultura. Ajuda a perceber ainda os mecanismos de poder e dominação existentes para controle da circulação de pessoas, afetando a nossa capacidade de viver em movimento, de lidar com os momentos provisórios e efêmeros do cotidiano.

A experiência do contato com esta instalação gera inquietação e fascínio. Através da sensação de estranheza e atração reencontramos o caráter ambivalente e inconfundível da arte de Ana Maria Pacheco. A penumbra do espaço revela um tablado de madeira ocupado por um grupo de dez figuras grandes, acima da estatura humana, reunidas como sombras por detrás de um jovem com um homem mais velho nas costas. A cena busca associações com a saga de Eneias quando foge de Troia com o pai nas costas, e procura apontar paralelos com situações parecidas, muito comuns nos dias de hoje. Assim, a obra chama atenção para o contingente de expatriados, destituídos da justiça e em absoluto abandono. Questiona também o tratamento dado aos imigrantes e aos refugiados de guerra, conforme observa Neil MacGregor, diretor do Museu Britânico, em uma de suas análises da escultura.

O poema épico latino, Eneida, escrito por Virgílio, narra as aventuras de Eneias após fugir com a família da destruição de Troia. Sua missão nesta viagem é achar um lugar para fundar uma nova cidade e cumprir, assim, o seu destino de ser o ancestral dos romanos. A intenção do autor é articular uma continuidade para os acontecimentos épicos da Ilíada, de Homero. Entretanto, Ana Maria Pacheco trabalha com uma noção de andarilho que é desvinculada de um ideal de criação de um lugar, do progresso e de uma lógica linear. Para a artista, o diálogo com a literatura resulta de um exercício com consciência para a realização de uma obra com referência ao texto. Naturalmente, o seu trabalho segue outros rumos, ganha natureza própria e se afasta do ponto de partida.
Sombras do Andarilho discute a relação entre espaço e tempo, dinâmica ausente do debate contemporâneo da escultura. Há três espaços problematizados na obra: aquele ocupado pela sombra; o do jovem levando outro homem nas costas; e o do mundo subterrâneo sob o tablado. O trabalho instaura um outro importante desafio, na percepção de MacGregor. As figuras na sombra, por exemplo, parecem apontar para a necessidade de se ter coragem para aceitar mudanças e superar as dificuldades em lidar com o passado.
CAMINHO INDEPENDENTE
Ana Maria Pacheco é uma das grandes atrações da cultura brasileira no exterior; provavelmente, é a artista plástica de maior visibilidade e prestígio fora do Brasil, observa o historiador Nicolau Sevcenko. Natural de Goiânia, sua obra integra coleções de importantes museus e galerias, projetando a cultura brasileira na Europa, nos Estados Unidos, na Ásia e na África. É a primeira artista, nascida fora da comunidade europeia, a ser convidada para realizar um projeto na National Gallery de Londres e a exposição dos seus trabalhos tornou-se a mais visitada em toda a Grã-Bretanha no ano em que foi exibida.

A arte de Ana Maria Pacheco compõe-se de desenhos, gravuras, pinturas e esculturas. Reconhecida como uma artista independente, mantém-se alheia aos modismos dos diferentes movimentos artísticos conhecidos hoje. Seu interesse pelo processo criativo como execução prática da obra – a maneira como desenha, grava, pinta e entalha – é um dos alicerces mais fortes de seu trabalho, o que confere enorme impacto visual à sua obra. Sua preocupação com o fazer artístico é postura rara nos dias atuais.
Embora o apelo emocional de Ana Maria Pacheco seja facilmente reconhecido em seu trabalho – graças
à ênfase na linguagem figurativa – sua arte é, de fato, um tanto complexa, sofisticada e altamente erudita. A pesquisa fundamenta sua prática artística e estabelece um importante elemento de apoio aos temas abordados. Entre eles, encontra-se a trajetória de seres humanos envolvidos em atividades de grande intensidade dramática, semelhante a cenas da história da pintura, escultura, teatro, ópera, filmes e meios de comunicação. Sua narrativa aborda a natureza da identidade humana, o poder político e sexual, questões de ordem tanto históricas quanto relativas à tragédia clássica, à força do destino sobre a vida humana e ao indivíduo no mundo das paixões, aspirações e magias.

A complexidade da linguagem visual de Ana Maria Pacheco pode ser vista na série de personagens, corpos, gestos, objetos, grupos e ambientes que parecem surgir de rituais antigos e até mais recentes, encenados ainda em cerimônias, costumes sociais, espetáculos populares e lendas. Trata-se de uma espécie de representação teatral enfocando o desejo e a crença que o ser humano parece cultivar quanto ao mundo do mistério, do milagre e do ritual. Ao utilizar elementos como olhos de pedra, dentes postiços, pregos, cabelo, cor e corda em suas esculturas, a artista promove uma ponte entre a arte erudita e a popular, delineando um estilo com influências africanas, indígenas e europeias.

A experiência do contato com esta instalação gera inquietação e fascínio. Através da sensação de estranheza e atração reencontramos o caráter ambivalente e inconfundível da arte de Ana Maria Pacheco. A penumbra do espaço revela um tablado de madeira ocupado por um grupo de dez figuras grandes, acima da estatura humana, reunidas como sombras por detrás de um jovem com um homem mais velho nas costas. A cena busca associações com a saga de Eneias quando foge de Troia com o pai nas costas, e procura apontar paralelos com situações parecidas, muito comuns nos dias de hoje. Assim, a obra chama atenção para o contingente de expatriados, destituídos da justiça e em absoluto abandono. Questiona também o tratamento dado aos imigrantes e aos refugiados de guerra, conforme observa Neil MacGregor, diretor do Museu Britânico, em uma de suas análises da escultura.

O poema épico latino, Eneida, escrito por Virgílio, narra as aventuras de Eneias após fugir com a família da destruição de Troia. Sua missão nesta viagem é achar um lugar para fundar uma nova cidade e cumprir, assim, o seu destino de ser o ancestral dos romanos. A intenção do autor é articular uma continuidade para os acontecimentos épicos da Ilíada, de Homero. Entretanto, Ana Maria Pacheco trabalha com uma noção de andarilho que é desvinculada de um ideal de criação de um lugar, do progresso e de uma lógica linear. Para a artista, o diálogo com a literatura resulta de um exercício com consciência para a realização de uma obra com referência ao texto. Naturalmente, o seu trabalho segue outros rumos, ganha natureza própria e se afasta do ponto de partida.
Sombras do Andarilho discute a relação entre espaço e tempo, dinâmica ausente do debate contemporâneo da escultura. Há três espaços problematizados na obra: aquele ocupado pela sombra; o do jovem levando outro homem nas costas; e o do mundo subterrâneo sob o tablado. O trabalho instaura um outro importante desafio, na percepção de MacGregor. As figuras na sombra, por exemplo, parecem apontar para a necessidade de se ter coragem para aceitar mudanças e superar as dificuldades em lidar com o passado.
CAMINHO INDEPENDENTE
Ana Maria Pacheco é uma das grandes atrações da cultura brasileira no exterior; provavelmente, é a artista plástica de maior visibilidade e prestígio fora do Brasil, observa o historiador Nicolau Sevcenko. Natural de Goiânia, sua obra integra coleções de importantes museus e galerias, projetando a cultura brasileira na Europa, nos Estados Unidos, na Ásia e na África. É a primeira artista, nascida fora da comunidade europeia, a ser convidada para realizar um projeto na National Gallery de Londres e a exposição dos seus trabalhos tornou-se a mais visitada em toda a Grã-Bretanha no ano em que foi exibida.

A arte de Ana Maria Pacheco compõe-se de desenhos, gravuras, pinturas e esculturas. Reconhecida como uma artista independente, mantém-se alheia aos modismos dos diferentes movimentos artísticos conhecidos hoje. Seu interesse pelo processo criativo como execução prática da obra – a maneira como desenha, grava, pinta e entalha – é um dos alicerces mais fortes de seu trabalho, o que confere enorme impacto visual à sua obra. Sua preocupação com o fazer artístico é postura rara nos dias atuais.
Embora o apelo emocional de Ana Maria Pacheco seja facilmente reconhecido em seu trabalho – graças
à ênfase na linguagem figurativa – sua arte é, de fato, um tanto complexa, sofisticada e altamente erudita. A pesquisa fundamenta sua prática artística e estabelece um importante elemento de apoio aos temas abordados. Entre eles, encontra-se a trajetória de seres humanos envolvidos em atividades de grande intensidade dramática, semelhante a cenas da história da pintura, escultura, teatro, ópera, filmes e meios de comunicação. Sua narrativa aborda a natureza da identidade humana, o poder político e sexual, questões de ordem tanto históricas quanto relativas à tragédia clássica, à força do destino sobre a vida humana e ao indivíduo no mundo das paixões, aspirações e magias.

A complexidade da linguagem visual de Ana Maria Pacheco pode ser vista na série de personagens, corpos, gestos, objetos, grupos e ambientes que parecem surgir de rituais antigos e até mais recentes, encenados ainda em cerimônias, costumes sociais, espetáculos populares e lendas. Trata-se de uma espécie de representação teatral enfocando o desejo e a crença que o ser humano parece cultivar quanto ao mundo do mistério, do milagre e do ritual. Ao utilizar elementos como olhos de pedra, dentes postiços, pregos, cabelo, cor e corda em suas esculturas, a artista promove uma ponte entre a arte erudita e a popular, delineando um estilo com influências africanas, indígenas e europeias.