A arte de "City" em pleno deserto

Pioneiro no movimento Land Art, Michael Heizer está em fase final de um dos maiores trabalhos de sua vida

Publicado em: 03/07/2018

Localizado no vale do deserto Garden Valley, no estado americano de Nevada, "City" é uma obra arquitetônica monumental, com dimensões comparáveis ao National Mall, em Washington, D.C., e um layout embasado nas cidades das civilizações pré-colombianas, como Teotihuacan. Com mais de um quilômetro e meio de extensão e a uma hora de carro da estrada pavimentada mais próxima,“City” pode ser a escultura abstrata mais ambiciosa que alguém já construiu.

Haizer, um dos pionores do movimento Land Art, começou a construir "City" em 1972

A estrutura é um trabalho que testa os limites da arte, do investimento- tanto temporal quanto monetário- e das perspectivas divergentes do artista e do espectador. O responsável pela instalação arquitetônica, o artista contemporâneo Michael Heizer, começou a obra em 1972, ainda aos seus vinte e poucos anos, realizando-a inteiramente a partir de rochas, areia, e concreto mineradas e misturadas no local.

Heizer iniciou sua carreira artística em Nova York, em 1966, com uma séries de telas geométricas pintadas com látex de PVA, aplicadas com um rolo. Trabalhando entre a cidade e o leste de Nevada de forma intermitente, ele reabriu um estúdio de pintura em Nova York em 2015, continuando sua produção de telas de borda dura e desenvolvendo uma nova série de pinturas "úmidas", utilizando pigmentos minerais derramados e raspados. Cada tela combinava desenho, pintura e impressão com resultados perfeitamente integrados.

Michael Heizer e sua obra "Track Painting" (1967), em seu estúdio, na cidade de Nova York. 

A arte de Heizer, tanto quanto sua vida, não pode ser separada da paisagem rural de Nevada, onde ele fez sua casa por quase meio século. Depois de uma infância em Berkeley e um início de carreira em Nova York, ele voltou para o oeste no final dos anos 1960, onde começou a fazer obras de arte em uma escala sem precedentes. Como outros artistas de sua geração- James Turrel, Alice Aycock, Robert Smithson e Walter de Maria- Heizer rejeitou a arte de galeria para trabalhar diretamente com a paisagem e começou a empreender projetos monumentais diretamente na terra.

Apesar da contradição, o monumento, que é destinado a sobreviver à humanidade, está flanqueado em uma base da Força Aérea e um local de teste de bombas. Além disso, nos últimos anos, a terra em torno de “City” esteva sob especulação para servir como repositório de lixo nuclear. Por sorte, o senador americano Harry Reid, um defensor de terras públicas, apaixonou-se pelo projeto loucamente ambicioso de Heizer e seu cenário essencialmente nevadiano, conseguindo transformar a área em torno da obra como monumento nacional.

A estrutura é feita quase que inteiramente por rocha, areia e concreto

"City" reflete a visão singular, contundente e autocrítica de um homem que reuniu todos os recursos possíveis e colocou sua vida em risco, na esperança de realizá-la. Para Heizer, urgência, sofrimento, drama e perigo são condições necessárias para se fazer arte. "Meu trabalho tem que ser sobre risco", diz ele. “Se não oferece risco, não tem sabor”. Suas primeiras peças significativas, por exemplo, foram produzidas à sombra da Guerra do Vietnã, após ser convocado e, por pouco, escapar do recrutamento. "Pensar que você pode morrer faz com que você fique radical", afirma.

Não é exagero considerar "City" como o empreendimento mais elaborado do artista americano. Agora, ela pode estar finalmente chegando ao fim. "Basicamente, 98% está concluído. O material importante está sendo feito neste verão", confirma Heizer. "Há trabalhos em cercas e portões que precisam ser colocados. Eu tenho uma obrigação com as pessoas de não transformar isso em um carnaval. Eu sou um artista, quero terminar isso antes que alguém apareça", conclui.

Michael Heizer no território de "City"

Em "City", Heizer deu-se uma tarefa quase impossível em erguer tamanha estrutura em um lugar isolado e sem meios óbvios de apoio. O perigo físico era inevitável. "Minha caixa torácica está estourada", disse ele. “Meus pés não funcionam. Cada osso em mim está danificado”. Desde meados dos anos noventa, ele foi acometido por graves problemas respiratórios crônicos e em seu sistema nervoso, provavelmente decorrentes de exposições durante a construção da escultura. Ainda assim, o artista está convicto em terminar sua obra, que já se prolonga há 46 anos.

"Double Negative", em Mormom Mesa, Nevada

Michael Heizer tem hoje 71 anos e é considerado um dos pioneiros do movimento Land Art, uma corrente artística que surgiu na década de 60 e tinha nos recursos do meio-ambiente, espaços e recursos naturais uma fonte de fusão e integração da arte, onde a natureza além de suporte, faz parte da criação. Há alguns anos, ele se tornou uma celebridade passageira quando instalou “Levitated Mass”, um pedregulho de 340 toneladas escavado de uma pedreira na Califórnia, sobre uma trincheira de concreto no jardim de esculturas do Museu de Arte do Condado de Los Angeles. Entre seus outros trabalhos, constam também a estrutura o “Double Negative” (1969), também no deserto de Nevada, fruto da remoção de mais de 20 toneladas de solo com escavadeiras. Ao longo de sua carreira, em pinturas e esculturas, Heizer explorou as possibilidades estéticas do vazio e do deslocamento.



"Levitated Mass", por Michael Heizer