A PERSPECTIVA MINEIRA DE JOMAR BRAGANÇA

“A arquitetura, assim como a fotografia, são os espaços que criamos para guardar memórias” Jomar Bragança.

Publicado em: 13/10/2014
São tantos fotógrafos/arquitetos e arquitetos/fotógrafos, que voltamos sempre a questionar qual seria a relação tão íntima dessas duas artes. Pois dessa vez, sob a interessantíssima perspectiva do renomado fotógrafo mineiro (e arquiteto por formação), Jomar Bragança, percebemos que esta relação pode estar também, consciente ou inconscientemente, no processo de formação de nossas memórias.
Mineiro de Itabira, Jomar Bragança, que mora hoje em Belo Horizonte, começou sua carreira de fotógrafo há 25 anos, depois de passar pelos cursos de engenharia, cinema e arquitetura, e hoje, é um dos fotógrafos mais conceituados da arquitetura de interiores.





Jomar explica que seu olhar sobre a estética do mundo é inteiramente baseado numa concepção arquitetônica, não técnica ou estrutural, mas da arquitetura em seu aspecto mais amplo, humano e filosófico. Esse alicerce fica claro em seu trabalho singular, onde ele não esconde a vida dos ambientes, e quebra a plasticidade e a perfeição. Sem brigar com as sombras, deixa a luz entrar, a planta cair ou o vento bater.
Além de seu trabalho como fotógrafo de interiores, Jomar também desenvolveu recentemente um projeto de fotografia autoral, chamado ‘Paisagem Confrontada’, onde discute a relação entre o humano e a paisagem, mais especificamente, entre o bucolismo utópico e as paisagens modificadas, e o paradoxo desse confronto.







Em entrevista exclusiva para o Anual Design, Jomar Bragança nos contou sobre sua formação, suas influências e sua visão das duas artes, que notavelmente andam juntas.

Anual Design: Existe uma relação muito forte e recorrente entre arquitetura e fotografia. Além de uma quantidade enorme de profissionais que transitam entre ambas, são artes que geralmente encantam um mesmo público. Você vê um paralelo nítido entre elas?
Jomar Bragança: Eu acredito que a arquitetura, assim como a fotografia, são os espaços que criamos para guardar memórias. A partir daí podemos construir uma relação comum. Em ambos, a memória é construída a partir de um espaço. Por mais que você acredite não ter relação direta com arquitetura, é a partir dela, da sua casa, por exemplo, que você enquadra suas memórias, o primeiro pedido em namoro, o primeiro beijo. Não é possível criar esse espaço dentro da memória, sem remeter ao espaço físico que abrigou aquele momento. E em todos esses momentos a arquitetura estava ali, estruturando essas memórias e dando suporte para que elas acontecessem.

Anual Design: Como fotógrafo você se vê responsável por traduzir essa relação?
Jomar Bragança: Acontece que o entendimento dessa relação entre a memória e a arquitetura se dá, geralmente, de forma intuitiva, para aqueles que não estão ligados ao fazer arquitetura. Então nós, fotógrafos e arquitetos, cada um em uma ponta, traduzimos sim esse entendimento à nossa maneira, essa compreensão do espaço e da memória.



Anual Design: Qual foi sua formação acadêmica, e como você se lançou na fotografia?
Jomar Bragança: Comecei a universidade fazendo engenharia, depois cinema, e foi quando comecei a namorar a fotografia. Entre o cinema e a fotografia, sem entender até hoje porque, eu fui parar na arquitetura. Sou formado em arquitetura, mas exerci por muito pouco tempo, e logo me dediquei exclusivamente à fotografia.

Anual Design: Como fotografo, a fotografia de arquitetura foi sua primeira empreitada, ou você transitou por outros temas?
Jomar Bragança: Não. Foi uma decisão sem escalas. Já no curso de arquitetura comecei a fotografar, e naturalmente a arquitetura foi o primeiro objeto.

Anual Design: Quais fotógrafos mais influenciaram sua formação artística e sua carreira de fotógrafo?
Jomar Bragança: Os fotógrafos de formação mais antiga, como eu, sempre tivemos os fotógrafos ditos humanistas ou documentais como maior referência, como Cartier Bresson ou Doisneau. Esse para mim foi um primeiro momento. Como fotógrafo específico de arquitetura, minha primeira referência veio do fotógrafo americano Ezra Stoller, que fotografou principalmente nos anos 1940, quando a técnica da fotografia de arquitetura era ainda muito rígida. Ele vem de um momento de formação dessa linha da fotografia, onde a limitação pela técnica era muito grande, os equipamentos eram muito pesados. O interessante, consequentemente, é que o procedimento e o tempo de percepção do objeto pelo fotógrafo eram muito maiores. Era necessário esperar a luz correta, a hora certa e não tinha perdão. Era outra dinâmica com a cena, outra imersão. Hoje é tudo mais rápido e fácil. Ezra Stoller foi contemporâneo a Julio Shullman, outro grande fotógrafo, e ambos, me chamaram muito a atenção por essa colocação precisa.



Anual Design: Por essa dificuldade técnica do início, percebia-se uma certa áurea mítica em torno da fotografia. Hoje, pela facilidade, pela quantidade de fotógrafos ou pela banalização da fotografia, você acredita que essa áurea ainda possa existir?
Jomar Bragança: Sim. Acredito que a fotografia caminhou para outras leituras, e outras possibilidades de interpretação de arquitetura. O digital minimizou os processos de erro, mas eles ainda estão dentro de algo programado. As câmeras hoje conseguem entender muito bem esses contrastes e diferenças de luz, e tentam equalizar isso, mas ainda assim, como expressão, a fotografia continua a cargo do olhar de quem está por detrás dela. É o fotógrafo quem dá essa expressão, essa áurea. E tem muita gente fazendo coisa bacana por aí.

Anual Design: Qual trabalho recente de fotografia te tocou?
Jomar Bragança: Eu me lembro de uma exposição que vi há dois anos no MASP, do fotografo espanhol Manuel Vilariño, chamada “Terra em Transe”, que me chamou muito a atenção pelo bom trabalho com cores. Especialmente um painel que apresentava pássaros mortos postos sobre temperos de diferentes tons. Outra exposição que me tocou bastante foi a da fotografa americana  Diane Arbus, em Paris há uns dois anos. Ela era uma fotógrafa da década de 1950 e 1960, que fotografava os desajustados da sociedade, era uma retratista e suas fotos eram tão fortes e intensas que fiquei 5 horas no museu, para percorrer toda a exposição e me impressionou muito.

Anual Design: Assim como a bagagem cultural e influências, o meio em que vive um artista é quase sempre perceptível através de seu trabalho. A leitura das entrelinhas pode revelar a relação de intimidade ou estranheza do artista com o objeto. Em suas fotografias, você acredita que exista essa relação? A cultura e arquitetura mineira estão presentes em seu trabalho?
Jomar Bragança: Vivemos todos entre montanhas, a visão do que vem de fora é sempre uma incógnita, o que chega é sempre abrupto. Então creio que exista essa relação de estranheza permanente com o novo, com o desconhecido. Quando fotografo algo novo para mim, talvez tenha uma resposta mais intensa àquilo.



Anual Design: Qual seria uma particularidade do mineiro em relação à arquitetura?
Jomar Bragança: É difícil delimitar uma unidade, mas uma característica muito marcante é que o mineiro tem uma relação muito forte com a cozinha. Algo que vem das tradições de grandes fazendas. Essa mesma cozinha que hoje virou o espaço gourmet, mas que, na verdade, para os mineiros, sempre foi um espaço de convívio caloroso e que nunca deixou de existir.

Anual Design: Algumas fotografias de interiores tendem a buscar uma perfeição estética no registro de ambientes que não traduzem a emoção da casa. Sua fotografia, ao contrário, sempre traz algum elemento vivo, como o movimento de uma cortina, plantas pelo chão ou algum toque de humano na casa. Podemos dizer que esse toque mais humano e quente, que também encontramos nos trabalhos de Freusa Zechmeister e até mesmo nas esculturas de Aleijadinho, vem do jeito aberto e desarmado típico dos mineiros?
Jomar Bragança: A gente tem um barroco, né? Eu, por exemplo, gosto muito dessa luz natural que invade a cena em algum momento, e hoje existe uma estética nova que que tratam a luz de maneira cirúrgica, buscando a assepsia do ambiente. O principal é tentar enxergar a identidade do ambiente, e perceber o que há de especial ali. Infelizmente a dinâmica acelerada de trabalho hoje não permita que o fotógrafo tenha o tempo necessário para sentir os espaços, mas ainda temos a intuição, então creio que a minha intuição mineira me ajuda sim.

COMENTÁRIOS

  • Sylvio De Podestá - 28/03/2015 08h54
    Viva o Jomar, cada dia mais fera.

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